Senado aprova projeto de reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência
O Senado Federal aprovou, no último dia 25.11, o texto da Subemenda Substitutiva Global ao Projeto de Lei nº 4.458/2020, que altera importantes artigos da Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei nº 11.101/2005) e da Lei nº 10.522/2002 (que regulamenta o CADIN).
A versão aprovada pelos Senadores manteve substancialmente o texto aprovado na Câmara dos Deputados, com poucos ajustes na redação e inclusão de emendas que ampliam os efeitos da norma.
Aguarda-se, agora, a sanção do Presidente da República. Se não houver veto, a lei será publicada no Diário Oficial e entra em vigor 30 dias após a sua publicação. Havendo vetos, o trâmite volta para o Congresso analisá-los.
Dentre as principais alterações do Projeto estão:
- Créditos concedidos durante a RJ: a empresa poderá obter empréstimos garantidos por bens e direitos seus ou de terceiros, sendo que referidos empréstimos poderão ser deferidos pelo Juízo, uma vez ouvido o Comitê de Credores, e poderão contar com garantias reais ou fiduciárias sobre ativos não circulantes do devedor.
- Mediação: com uma seção inteira dedicada ao tema, o Projeto prevê que a mediação poderá ser utilizada durante a recuperação judicial, extrajudicial ou falência, incluindo conflitos envolvendo a Administração Pública, acionistas e créditos extraconcursais. No entanto, é vedada a mediação sobre a classificação de créditos concursais, mantendo a competência do juízo recuperacional sobre a matéria.
- Constatação prévia: possibilidade de constatação prévia, exclusivamente para verificação das reais condições de funcionamento da devedora, e regularidade e completude da documentação, no prazo máximo de 5 dias.
- Plano de Recuperação Judicial Alternativo: aos credores foi assegurada ampliação de seus direitos, permitindo-lhes o novo texto maior poder de participação no processo recuperacional. Observados os trâmites legais, os credores poderão apresentar proposta alternativa ao plano apresentado, inclusive para substituir o plano rejeitado em assembleia de credores. Nesse caso, o administrador judicial colocará em votação, durante a assembleia geral de credores que rejeitar o plano, a possibilidade de apresentação da proposta alternativa em 30 dias. Aprovada tal deliberação, os credores representando mais de 25% dos créditos sujeitos à recuperação judicial ou 35% dos créditos presentes à assembleia geral de credores poderão apresentar a proposta alternativa, que será votada de acordo com os quóruns já estabelecidos pela Lei 11.101/2005.
- Insolvência Transnacional: na tentativa de suprir uma lacuna na lei vigente, o Projeto incorpora ao ordenamento pátrio as regras da Lei Modelo da UNCITRAL – adotadas em muitas jurisdições. O objetivo desta inovação é criar um sistema para o reconhecimento de processos estrangeiros no Brasil, trazendo maior segurança jurídica para a atividade econômica e para os investimentos estrangeiros, bem como estimulando a cooperação e coordenação entre as jurisdições e dando maior proteção ao interesse de todos os credores e demais partes envolvidas, incluindo o devedor.
- Consolidação Processual e Substancial: embora seja omissa a legislação atual quanto à formação de litisconsórcio ativo nos procedimentos recuperacionais , a jurisprudência assentou entendimento no sentido de que as empresas que integram grupo sob controle societário comum têm legitimidade para pedir recuperação judicial em consolidação processual, devendo ser preservada a independência entre seus ativos e passivos. A consolidação processual evita a condução de múltiplos processos, de modo a privilegiar a eficiência, simplificar a administração processual e reduzir os custos envolvidos, sem, no entanto, afetar a separação das empresas.
No que tange à consolidação substancial, o juiz poderá, excepcionalmente, autorizá-la, independentemente da realização de assembleia geral de credores, quando se constatar a interconexão e a confusão entre ativos ou passivos das devedoras. Ainda, é necessário que preencham, cumulativamente, no mínimo dois dos seguintes requisitos estabelecidos pela lei: a existência de garantia cruzada; relação de controle ou dependência; identidade total ou parcial do quadro societário; e a atuação conjunta no mercado entre as devedoras.
- Suspensão (stay period) e Essencialidade de Bens: foi mantido o prazo de 180 dias de suspensão de todas as ações e execuções movidas contra o devedor, sendo permitida a prorrogação por igual período, excepcionalmente, desde que a mora não possa ser imputável à devedora. Caso os 180 dias transcorram sem a aprovação do plano de recuperação judicial, o Projeto concede aos credores a possibilidade de propor plano alternativo.
A suspensão não se aplica aos créditos com garantia fiduciária, derivados de arrendamento mercantil, originados em contratos de adiantamento de câmbio e às execuções fiscais. Contudo, visando a proteger a devedora, o Projeto permite que o juízo determine a suspensão de todos os atos de constrição que recaiam sobre bens essenciais para a manutenção da atividade da empresa durante o período de suspensão.
- Produtor Rural: passa a ser admitida a recuperação do produtor rural, mas sujeita somente os créditos decorrentes da atividade rural, desde que regularmente contabilizados. Não se sujeitam: crédito rural desde que não tenha sido objeto de renegociação anterior; dívidas contraídas nos últimos 3 anos, anteriores ao ajuizamento da recuperação judicial, e que tenham sido contraídas com a finalidade de aquisição de propriedades rurais e suas respectivas garantias; e, créditos e garantias vinculados à Cédula de Produtor Rural – CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou ainda, representativa de operação de troca por insumos, subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens.
- Venda de Ativos: uma das maiores inovações, a alienação de bens e ativos poderá ocorrer nas modalidades leilão eletrônico, presencial ou híbrido; processo competitivo organizado, promovido por agente especializado; e qualquer outra modalidade, desde que aprovada pelo juízo recuperacional, conferindo segurança jurídica ao estabelecer expressamente que o arrematante não sucederá as obrigações de qualquer natureza, incluindo, exemplificativamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.
O Projeto também altera as regras aplicáveis à alienação de bens ou direitos do ativo não-circulante do devedor não prevista no plano de recuperação judicial. Além de prever a necessidade de autorização judicial de venda, após tal autorização, os credores que representem 15% dos valores sujeitos à recuperação judicial poderão ainda se opor ao negócio, submetendo-o para deliberação dos credores em assembleia geral. Para tanto, os credores deverão prestar caução em montante correspondente ao valor total da alienação e se encarregar das despesas de convocação do conclave.
- UPI: as unidades produtivas isoladas são conceituadas como os ativos de qualquer natureza, tangíveis ou intangíveis, isolados ou em conjunto, que podem ser alienados durante a recuperação judicial. De acordo com o projeto, as UPIs que forem objeto de alienação estarão livres de quaisquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 da Lei, o que confere maior proteção aos adquirentes na qualidade de terceiros de boa-fé desde que haja leilão judicial.
Além disso, o Projeto trouxe a possibilidade de venda direta e integral da devedora, desde que assegure aos credores extraconcursais condições, no mínimo, semelhantes às que teriam em um cenário de falência. Nesse caso, a venda será considerada, para todos os fins, de UPI (Unidade Produtiva Isolada) e, portanto, sem sucessão.
- Operações Compromissadas e de Derivativos: incluiu-se disposição atinente às hipóteses de vencimento antecipado e de compensação em operações compromissadas e de derivativos, em cenário de pedido de recuperação judicial, deferimento de seu processamento ou homologação de plano de recuperação judicial.
- Recuperação Extrajudicial: foi reduzido para 50% o quórum de aprovação, além de possibilitar ao devedor a apresentação do pedido de homologação com anuência de apenas 1/3 dos credores, comprometendo-se a atingir o quórum de maioria simples em 90 dias a contar do protocolo.
O Projeto estendeu à recuperação extrajudicial o período de suspensão das ações e execuções movidas contra o devedor, porém limitada aos créditos abrangidos pelo processo, e ainda, a possibilidade de conversão da recuperação extrajudicial em judicial.
- Créditos trabalhistas: o projeto permite a inclusão de créditos trabalhistas ou por acidente de trabalho na recuperação extrajudicial, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional.
Ainda de acordo com o novo, o prazo para pagamento de crédito trabalhista por empresa em recuperação judicial foi alterado, passando o devedor a contar com até dois anos para fazer o pagamento desse tipo de crédito. Esse prazo, no entanto, deverá ser aprovado pelos próprios credores trabalhistas na votação do plano.
- Negociação Preventiva: às empresas que tentarem negociar preventivamente suas dívidas ao pedido de recuperação judicial, em caráter cautelar, terão o benefício da suspensão das ações e execuções movidas, pelo período de 60 dias.
- Administrador Judicial: o projeto estabelece novas atribuições ao administrador judicial, dentre as quais a de fiscalizar a veracidade das informações prestadas pelo devedor, estimular a mediação, conciliação e outros métodos alternativos na resolução de conflitos. A remuneração foi reduzida para 2% em se tratando de recuperanda ME, EPP ou produtor rural que utilize o plano especial.
- Medidas de desburocratização e celeridade: deliberações da assembleia geral de credores por sistemas eletrônicos ou por termos de adesão; em caso de suspensão da assembleia geral de credores, esta deverá ser encerrada no prazo máximo de 90 dias, contados de sua instalação; publicações, editais e intimações eletrônicas; fim do preço vil em terceira chamada; restrições a impugnações a vendas, sendo recebida apenas no caso de vir acompanhada de oferta firme vinculante; possibilidade de encerramento da recuperação judicial antes dos 2 anos; prazos da lei de falências são contados em dias corridos.
- Dívidas tributárias: ampliação das possibilidades de parcelamento de dívidas com a União para a empresa em recuperação judicial. O novo texto aumenta o número de prestações de 84 para 120 e diminui o valor de cada uma, possibilitando à empresa quitar até 30% da dívida consolidada e dividir o restante em até 84 parcelas.
Para o pagamento do valor da entrada, será possível usar 25% do prejuízo fiscal e 9%, 17% ou 25%, conforme o tipo de empresa, da base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
No caso de adesão ao parcelamento, o devedor assinará termo de compromisso pelo qual fornecerá ao Fisco informações bancárias e de comprometimento de valores a receber, além de direcionar ao pagamento da dívida até 30% do produto da venda de bens realizada durante o período de vigência da recuperação judicial.
Caso a empresa deixe de pagar parcelas, se for constatado esvaziamento patrimonial para fraudar o parcelamento ou as condições sejam descumpridas, o parcelamento será cancelado e o débito total exigido.
Também será possível dividir em até 24 meses débitos atualmente proibidos de serem parcelados, como os relativos a tributos com retenção na fonte ou de terceiros (imposto de renda do empregado, por exemplo) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
- Transação tributária: o projeto prevê também o uso de transação tributária, isto é, acordos para pagamento de dívidas mediante concessão de benefícios. Nessa modalidade, o governo ou o devedor propõe descontos para quitar a dívida, que podem chegar a 70% do valor devido, a ser paga em prazo máximo de 120 meses.
No caso de micro e pequenas empresas, o prazo pode chegar a 144 meses. Se a empresa desenvolve projetos sociais, o prazo pode ser aumentado em mais 12 meses.
Ainda segundo o projeto, devedores em recuperação judicial que já tiverem firmado acordos desse tipo poderão pedir a repactuação. O prazo para o pedido será de 60 dias da publicação da futura lei.
- Falência: ampliação da lista de possibilidades em que o juiz pode decretar a falência do devedor, como por exemplo em razão de descumprimento de pagamento em parcelamento de créditos tributários ou se, vendida a empresa em recuperação judicial, não sobrar recursos para honrar os créditos tributários e os créditos de credores não sujeitos ao plano.
Verifica-se que um dos objetivos desta reforma é acelerar a conclusão do processo de falência, que deverá se dar em seis meses, facilitando que o empresário volte a empreender. Hoje isso leva de 2 a 7 anos.
Conclui-se, portanto, que o Projeto de Lei está em consonância com o desenvolvimento jurisprudencial dos últimos 15 anos, sendo certo que a lei a ser alterada merece ser reformada e atualizada, independentemente da grave pandemia enfrentada.
As possibilidades que serão abertas com a aprovação da proposta certamente facilitarão o cumprimento das obrigações do empresário ou da sociedade empresária que pleitear ou tiver deferido o processamento de recuperação judicial. E mais, os benefícios tributários previstos no projeto favorecem a recuperação judicial, contribuindo para evitar a falência de empresas e o consequente custo social.