A base de cálculo do ITCMD na doação de quotas
Por Ricardo Oliveira Pereira
O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão proferida no julgamento do REsp n.º 2.139.412, que tratava sobre a sucessão de quotas sociais integralizadas por bens imóveis, reacendeu um debate essencial à segurança jurídica dos planejamentos sucessórios, sobretudo em empresas familiares: qual deve ser a base de cálculo do ITCMD, o valor patrimonial das quotas ou o valor de mercado dos bens que as integram?
O caso analisado trata da sucessão causa mortis de quotas de sociedade limitada, cujo capital havia sido integralizado majoritariamente por imóveis. O contribuinte havia declarado como base de cálculo o valor patrimonial das quotas, apurado com base na escrituração contábil, ao passo que o Fisco de Mato Grosso desconsiderou tal valor, promovendo o arbitramento do imposto com base no valor de mercado dos imóveis subjacentes, nos termos do artigo 148 do Código Tributário Nacional.
Em segunda instância foi acolhida a tese do contribuinte. No entanto, o STJ reformou esse entendimento, assentando que a base de cálculo do ITCMD deve refletir o valor venal de mercado dos bens ou direitos transmitidos, nos termos do artigo 38 do Código Tributário Nacional.
Como pontuou o Relator, Ministro Francisco Falcão, o uso exclusivo do valor patrimonial “acabaria por mitigar o valor real de mercado da sociedade, esvaziando a previsão do art. 148 do CTN”. Ocorre que a Lei n.º 7.850/2002, do Estado de Mato Grosso, dispõe, em seu artigo 17, que, nas transmissões de ações não negociadas em bolsa, quotas ou outros títulos de participação em sociedades comerciais ou civis com fins econômicos, a base de cálculo do ITCMD será o valor patrimonial contábil, obtido a partir do balanço patrimonial e da declaração de imposto de renda da pessoa jurídica, relativos ao período de apuração mais próximo da data da transmissão.
O parágrafo único do referido artigo apenas restringe a possibilidade de levantamento de bens e direitos pelo Fisco às hipóteses de sociedades controladas ou subsidiárias, sendo essa uma exceção expressa à regra do valor contábil como base de cálculo.
Essa previsão é idêntica à constante na Lei Estadual n.º 10.705/2000, do Estado de São Paulo, cujo artigo 14, § 3.º, igualmente determina o uso do valor patrimonial líquido para fins de apuração do ITCMD incidente sobre a transmissão de quotas de sociedades não negociadas em bolsa.
Em recente e relevante decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no Processo n.º 1015171-63.2023.8.26.0037, confirmou esse entendimento, reconhecendo que o valor patrimonial contábil – apurado de acordo com os critérios da contabilidade e atualizado pela UFESP – constitui base válida e suficiente para o cálculo do ITCMD.
A opção pelo valor patrimonial não é aleatória, tampouco artificiosa. Trata-se de um critério de avaliação juridicamente reconhecido, que adota como parâmetro o patrimônio líquido da empresa (ativos menos passivos), evitando reavaliações periódicas que poderiam distorcer os efeitos do planejamento patrimonial. O valor de mercado, por outro lado, é volátil, sujeito a interpretações e, frequentemente, indisponível com objetividade em sociedades fechadas.
A decisão do STJ deve ser lida com cautela, pois, embora reafirme a possibilidade de arbitramento, nos termos do artigo 148 do CTN, não impõe o valor de mercado como base única e obrigatória. Ao contrário, as referidas legislações estaduais ainda conferem validade ao valor patrimonial contábil, especialmente quando a contabilidade é bem conduzida e reflete adequadamente a situação patrimonial da sociedade.
Desse modo, recomenda-se que contribuintes localizados em Estados em que a legislação autoriza expressamente o uso do valor patrimonial contábil devem se valer desse critério no planejamento sucessório, salvo em casos de fraude, subavaliação manifesta ou ausência de escrituração idônea.
Portanto, para empresas familiares, a clareza na contabilidade e o respaldo legal nas normas estaduais são os melhores aliados para uma sucessão eficiente e juridicamente segura.